Aplicação da nova lei do divórcio levanta dúvidas

Divórcio. A nova lei, que hoje entra em vigor, traz alguns problemas do ponto de vista prático. Apesar de acabar com o divórcio litigioso e a necessidade de prova de culpa, a introdução dos créditos de compensação e das responsabilidades parentais são vistas por advogados e juízes como focos de litígio

Legislação extingue processos litigiosos

Isabel, de 30 anos, esteve legalmente casada durante quase oito anos. Apenas no primeiro viveu com o marido. Os outros sete foram passados a tentar dissolver o casamento. Ao longo do processo teve várias surpresas, a maior parte desagradáveis: a primeira foi perceber que teria de esperar anos até entrar com o pedido de divórcio, já que a lei requeria um período de três anos de separação de facto. A partir de hoje, com a entrada em vigor da nova lei do divórcio, este prazo fica reduzido a um ano. Esta é umas das alterações do novo regime jurídico ao criar o divórcio por mútuo consentimento a pedido de apenas umas das partes, com eliminação da culpa como fundamento.

Isto porque foi extinto o divórcio litigioso, em que um dos cônjuges não concordava com a separação ou as partes não chegavam a acordo quanto à forma de o fazer, e criada a possibilidade de o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges poder ser requerido em tribunal, de acordo com quatro fundamentos. E um deles é precisamente a separação de facto por mais de um ano, pelo que a situação de Isabel e o tempo em que teve a sua vida em espera, aguardando uma decisão legal, teria sido resolvida com muito maior celeridade.

As restantes novidades consagradas na legislação mudam por completo a forma como advogados e juízes estavam habituados a tratar estes processos.

As alterações relativas à atribuição de alimentos, aos créditos de compensação por quem "manifestamente" contribuir "mais do que era devido para os encargos da vida familiar" ou ainda ao princípio do exercício conjunto das responsabilidades parentais são as áreas que suscitam mais dúvidas, sobretudo na forma como será feita a sua aplicação prática, não faltando quem anteveja ainda mais litígios face às dificuldades esperadas.

Esta lei, que se baseia na liberdade de escolha e igualdade de direitos e deveres entre cônjuges, bem como o apoio mútuo na educação dos filhos, quando os houver, gera dúvidas precisamente porque, defendem os críticos, fragiliza a posição das partes mais fracas em caso de divórcio, não acautelando os direitos de mulheres e crianças.

O artigo que prevê que "cada cônjuge deve prover à sua subsistência após o divórcio" é um dos focos gerador das diferenças de opinião. Algo que Anália Torres, socióloga que trabalhou com Guilherme de Oliveira na elaboração da nova lei, considera "incompreensível". Porque se de facto o artigo atrás referido insere a noção de igualdade entre cônjuges, um outro artigo "reconhece, pela primeira vez, a importância dos contributos para a vida conjugal e familiar dos cuidados com os filhos e do trabalho despendido no lar", adianta a socióloga. E, de facto, o artigo relativo à fixação do montante de alimentos refere que deve ser tido em conta "a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estados de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego".

Maria Saldanha Pinto Ribeiro, do Instituto Português de Mediação Familiar, também considera injustas essas críticas "porque as mulheres não estavam minimamente protegidas com a lei anterior, as pensões foram sempre baixíssimas". "Na lei antiga nem sequer havia a contabilização do esforço trazido para o casamento, que pelo menos agora pode ser considerado pelos magistrados", concretiza.

No entanto, a advogada Ana Sofia Gomes considera que deveria ter sido previsto, em concreto, o caso das mulheres com mais de 35, 40 anos, que dedicaram a vida à família. "Com essa idade e sem experiência profissional, como é que essas mulheres vão entrar no mercado de trabalho?", questiona. António Martins, presidente da Associação Sindical de Juízes, também usa um argumento semelhante para mostrar que "esta lei não serve à realidade da sociedade portuguesa. É uma lei moderna e urbana. Mas esse não é o País que temos. E as leis têm de ser boas para todos, não pode ser uma boa cama para uns e uma enxerga para outros", defende. Esta é ainda a convicção da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, manifestada em parecer citado pela mensagem de Cavaco Silva à Assembleia da República, a 21 de Outubro, a propósito da promulgação da lei, depois de um primeiro veto presidencial a 20 de Agosto: esta lei "assenta numa realidade social ficcionada", refere o documento.

fonte:http://www.dn.pt/

publicado por adm às 23:11 | link do post | comentar